domingo, janeiro 28, 2007

Uma história "verdadeiramente" complicada

Do Público de 28/01

Uma história complicada de "amizade pessoal"

"Se nesta sociedade já não podemos ter amigos empresários, então não acredito nesta sociedade", afirma Rui Encarnação

"Tenho uma estima pessoal muito grande e uma relação profissional de há muitos anos com Emídio Catum e só isso é que pode expli­caresta situação." A declaração foi feita por Rui Encarnação e serve para justillcar o facto de, segundo garante, a moradia em que reside ser sua - embora tenha sido construída em terre­nos da Montiterras, uma empresa daquele seu amigo, em nome da qual se encontram todos os documentos que lhe dizem respeito.
De acordo dom o jurista, que é consultor da Câmara da Moita na área da gestão urbanísti­ca desde Outubro de 1998, além da moradia, ésua uma fracção de 30 por cento da parcela de 17 mil m2 em que foi erguida. A Montiterras, acrescenta, só comprou a parte restante, embora legalmente esteja tudo em nome dela, porque ele próprio pediu a Emídio Catum o "favor" de a comprar, "atendendo à relações pessoais" entre ambos.

Rui Encarnação conta que o terreno, legal­mente indivisível, foi adquirido em 1992 por um grupo de seis amigos, entre os quais se encontra­va, com o objectivo de ali construirem as suas casas e venderem o resto em lotes. A compra foi feita por 19.720 contos [cerca de 98.600 euros], ainda que a escritura, em nome de apenas um dos membros do grupo, tenha registado o valor de 5.000 contos [25 mil euros]. Como não foi possível levar por diante o projecto inicial, dado que os loteamento fora dos perímetros ur­banos passaram a ser proibidos, os seus sócios decidiram venderem 1997.

Uma vez que Encarnação queria ficar com os seus 30 por cento, a solução era ser ele a comprar o resto, oú encontrar alguém que, formalmente, comprasse a totalidade, mas salvaguardasse o seu quinhão. Pedida uma avaliação a António Dores, então responsável pelo Urbanismo da Câ­mara do Montijo, este fIXOU o valor dos 17 mil m2 em 29.190 contos [145.950 euros], ou seja, cerca de 20 mil contos [100 mil euros] para os 70 por­cento que queriam vender.

O que se passou, continua Encarnação - que disse ao PÚBLICO ter declarado rendimentos de 1,8 milhões de euros em 2004- foi que, naquela altura, não tinha 20 mil contos para ficar com a posição dos sócios. "Então resolvi falar com o meu amigo Emídio Catum e disse-lhe: 'preciso de um favor teu porque é a única alternativa que tenho para não perder esta esperança." O em­presário hesitou, mas o advogado convenceu-o. "Expliquei-lhe que o perímetro urbano do Pente­ado ia ser mexido na revisão do PDM e que havia a expectativa de o terreno vir a ser integrado nele, podendo depois ser fraccionado." Terá sido assim que em Maio de 1998, cinco meses antes de Encarnação entrar para a Câmara da Moita, a Montiterras comprou a parcela, ficando combinado que o jurista lá poderia fazer a sua casa, ocupando 30 por cento da área.
Ao que reza a escritura, a empresa pagou sete mil contos [35 mil euros], um valor muito infe­rior aos 20 mil que correspondiam à avaliação de António Dores. A explicação é simples, confessa Encarnação: "A venda foi feita por 40 mil contos [200 mil euros], mas foram declarados sete mil por causa do IRS que o vendedor teria de pagar sobre as mais valias." A ser assim, e apesar de o comprador lhe estar a fazer "um favor", a venda foi feita pelo dobro da avaliação.
A história, porém, poderá ser mais com­plicada , complicada, já que Catum disse ao PÚBLICO que comprou o terreno "há 12 anos", muito antes de 1998. E sobre o resto nada adianta, a não ser que na casa entretanto construída vive um amigo seu: "Não quero falar sobre isso porque é um assunto porco de mais."
Confrontado com o facto de o processo cama­rário dizer que a moradia foi construída pela Montiterras, Encarnação observá que também essa é uma questão formal. "A obra foi feita por mim em auto-construção. Fui eu que comprei os materiais e arranjei o pessoal e não a Mon­titerras." Apesar disso, admite que a empresa lhe forneceu o betão e materiais que ainda não foram pagos. "Há contas que têm de ser feitas e o que houvera pagar será pago."
Particularmente incomodado com a sugestão feita em alguns blogues de que a moradia seria uma contrapartida da prevista viabilização de um grande projecto de Emídio Catum, o jurista diz-se de "consciência absolutamente tranquila" em termos éticos e jurídicos. "Se nesta sociedade já não podemos ter amigos empresários, então não acredito nesta sociedade" , desabafa. . J. A. C.