Do Público de 28/01
Uma história complicada de "amizade pessoal"
"Se nesta sociedade já não podemos ter amigos empresários, então não acredito nesta sociedade", afirma Rui Encarnação
"Tenho uma estima pessoal muito grande e uma relação profissional de há muitos anos com Emídio Catum e só isso é que pode explicaresta situação." A declaração foi feita por Rui Encarnação e serve para justillcar o facto de, segundo garante, a moradia em que reside ser sua - embora tenha sido construída em terrenos da Montiterras, uma empresa daquele seu amigo, em nome da qual se encontram todos os documentos que lhe dizem respeito.
De acordo dom o jurista, que é consultor da Câmara da Moita na área da gestão urbanística desde Outubro de 1998, além da moradia, ésua uma fracção de 30 por cento da parcela de 17 mil m2 em que foi erguida. A Montiterras, acrescenta, só comprou a parte restante, embora legalmente esteja tudo em nome dela, porque ele próprio pediu a Emídio Catum o "favor" de a comprar, "atendendo à relações pessoais" entre ambos.
Rui Encarnação conta que o terreno, legalmente indivisível, foi adquirido em 1992 por um grupo de seis amigos, entre os quais se encontrava, com o objectivo de ali construirem as suas casas e venderem o resto em lotes. A compra foi feita por 19.720 contos [cerca de 98.600 euros], ainda que a escritura, em nome de apenas um dos membros do grupo, tenha registado o valor de 5.000 contos [25 mil euros]. Como não foi possível levar por diante o projecto inicial, dado que os loteamento fora dos perímetros urbanos passaram a ser proibidos, os seus sócios decidiram venderem 1997.
Uma vez que Encarnação queria ficar com os seus 30 por cento, a solução era ser ele a comprar o resto, oú encontrar alguém que, formalmente, comprasse a totalidade, mas salvaguardasse o seu quinhão. Pedida uma avaliação a António Dores, então responsável pelo Urbanismo da Câmara do Montijo, este fIXOU o valor dos 17 mil m2 em 29.190 contos [145.950 euros], ou seja, cerca de 20 mil contos [100 mil euros] para os 70 porcento que queriam vender.
O que se passou, continua Encarnação - que disse ao PÚBLICO ter declarado rendimentos de 1,8 milhões de euros em 2004- foi que, naquela altura, não tinha 20 mil contos para ficar com a posição dos sócios. "Então resolvi falar com o meu amigo Emídio Catum e disse-lhe: 'preciso de um favor teu porque é a única alternativa que tenho para não perder esta esperança." O empresário hesitou, mas o advogado convenceu-o. "Expliquei-lhe que o perímetro urbano do Penteado ia ser mexido na revisão do PDM e que havia a expectativa de o terreno vir a ser integrado nele, podendo depois ser fraccionado." Terá sido assim que em Maio de 1998, cinco meses antes de Encarnação entrar para a Câmara da Moita, a Montiterras comprou a parcela, ficando combinado que o jurista lá poderia fazer a sua casa, ocupando 30 por cento da área.
Ao que reza a escritura, a empresa pagou sete mil contos [35 mil euros], um valor muito inferior aos 20 mil que correspondiam à avaliação de António Dores. A explicação é simples, confessa Encarnação: "A venda foi feita por 40 mil contos [200 mil euros], mas foram declarados sete mil por causa do IRS que o vendedor teria de pagar sobre as mais valias." A ser assim, e apesar de o comprador lhe estar a fazer "um favor", a venda foi feita pelo dobro da avaliação.
A história, porém, poderá ser mais complicada , complicada, já que Catum disse ao PÚBLICO que comprou o terreno "há 12 anos", muito antes de 1998. E sobre o resto nada adianta, a não ser que na casa entretanto construída vive um amigo seu: "Não quero falar sobre isso porque é um assunto porco de mais."
Confrontado com o facto de o processo camarário dizer que a moradia foi construída pela Montiterras, Encarnação observá que também essa é uma questão formal. "A obra foi feita por mim em auto-construção. Fui eu que comprei os materiais e arranjei o pessoal e não a Montiterras." Apesar disso, admite que a empresa lhe forneceu o betão e materiais que ainda não foram pagos. "Há contas que têm de ser feitas e o que houvera pagar será pago."
Particularmente incomodado com a sugestão feita em alguns blogues de que a moradia seria uma contrapartida da prevista viabilização de um grande projecto de Emídio Catum, o jurista diz-se de "consciência absolutamente tranquila" em termos éticos e jurídicos. "Se nesta sociedade já não podemos ter amigos empresários, então não acredito nesta sociedade" , desabafa. . J. A. C.