Protocolos com os grandes construtores de baixo de fogo
A revisão do PDM da Moita está a ser fortemente contestada, entre outras coisas, por causa dos protocolos celebrados pela câmara com um grupo de grandes promotores
JOSÉ ANTÓNIO CEREJO
Criticada como poucas vezes se tem visto em Portugal, pelos partidos da oposição e por um movimento de cidadãos, a revisão do PDM da Moita contempla a exclusão de vastas manchas da REN, que ,se admite somarem mais de 400 hectares, assim transformados em solos urbanizáveis. Paralelamente, a proposta aponta para a afectação à mesma reserva ecológica de quase o dobro daquela área de solos agrícolas, pertencente a pequenos proprietários.
Para o PS, PSD e Bloco de Esquerda, bem como para os mais de mil cidadãos que em 2005 contestaram a proposta de revisão do plano durante a sua discussão pública, o que está em questão é um projecto de urbanização maciça do concelho, com a possibilidade de serem construídos praticamente tantos fogos como os 30 mil existentes. Além disso, garantem, a proposta, que deverá ser em breve alvo de um penúltimo parecer da CCDR de Lisboa e Vale do Tejo, mas que contou até agora com o seu apoio, implica o favorecimento de um pequeno número de grandes promotores imobiliários, alguns dos quais adquiriram nos últimos anos, por vezes a preços de saldo, uma boa fatia dos espaços a desanexar da REN. Parte desses proprietários, no decurso do processo de revisão, articularam com a câmara, através de protocolos preparados pelo jurista Rui Encarnação, a futura urbanização dos seus terrenos.
Por outro lado, acrescentam, a proposta prejudica, sem qualquer ganho para o ambiente, as muitas centenas de pequenos proprietários, partes deles com actividade agrícola, que são donos das novas áreas afectas àREN e vêm os seus terrenos,jáprotegidos pela Reserva Agrícola Nacional, serem objecto de novas e severas restrições ao seu uso.
Na mira dos críticos, que através de blogs na Internet e múltiplas iniciativas junto de todos os partidos com assento parlamentar e da Presidência da República se batem contra a proposta camarária, estão os protocolos celebrados à volta de 2000 entre a câmara e, pelo menos, sete grandes promotores. Trata-se de instrumentos com características invulgares e muito pouco usados pelos municípios, que foram juridicamente concebidos por Rui Encamação e que, sem serem constitutivos de direitos - segundo afirma o actual presidente da Câmara da Moita na proposta através da qual fez aprovar, em Setembro de 2000, o protocolo com a Imomoita, uma das empresas de Emídio Catum, sobre a Quinta das Fontainhas - permitem " a contratualização dos termos e condições das intervenções dos particulares no espaço urbanos".
"Uma mão cheia de nada"
Embora não sejam considerados propriamente ilegais, esse género de protocolos é olhado com muitas reservas por parte de alguns especialistas em direito do urbanismo, que vêm neles uma forma de condicionar as opções de planeamento das câmaras, sujeitando-as à satisfação de interesses particulares, por forma a obterem determinadas compensações para os municípios.
No caso das Fontaínhas, uma antiga exploração agro-pecuária de 22 hectares existente junto à zona urbana de Vale da Amoreira, o patrão da Imomoi, ta disse ao PúBLICO que começou a tratar do protocolo ainda antes de comprar a propriedade, no início de 2000. De acordo com o texto aprovado, com os votos contra da oposição, a empresa compromete-se a ceder gratuitamente à Câmara duas parcelas de terreno com cerca de 68 mil m2 não urbanizáveis, para criação de um complexo desportivo municipal, e mais 30 mil m2 para instalação de uma quinta ecológica. Além disso, a Imomoita vincula-se à execução, dentro e fora da sua propriedade das Fontainhas, de um conjunto de obras viárias- consideradas essenciais para o concelho.
A Câmara, por seu lado, não se obriga a coisa alguma, dizendo apenas ser sua "intenção", no âmbito dos estudos da revisão do PDM, classificar a Quinta das Fontainhas, que faz parte da REN embora o protocolo não o diga, como "solo urbano de finalidades habitacionais de comércio e serviços", com o indice de utilização bruto de 0.7. Caso esta "intenção" não venha a ser concretizada com a revisão do PDM, o protocolo caduca e a Imomoita não cede coisa alguma.
Rejeitando com indignação as sugestões de que este protocolo corresponde a uma troca de favores entre si e o empresário Emídio Catum, Rui Encarnação diz que esse documento se enquadra naquilo a que os juristas chamam "actuações informais da administração". Assegurando que o texto é "completamente igual" aos outros por si feitos e outorgados pela câmara, diz mesmo que "a Imomoita dificilmente virá a tirar qualquer beneficio desse protocolo porque o nó da terceira travessia do Tejo cai mesmo em cima das Fontaínhas". Daí que, garante, o seu amigo Emídio Catum "será seguramente penalizado em relação aos demais". E conclui: "Neste momento o que ele tem é uma mão cheia de nada.".