domingo, janeiro 28, 2007

Jornal O Público

Do Jornal O PÚBLICO de hoje:

Consultor da Câmara da Moita vive em moradia de luxo de uma empresa de construção civil

Por José António Cerejo

A revisão do Plano Director Municipal da Moita está a ser contestada pela oposição e por muitos cidadãos.
Em causa está um alegado projecto de urbanização maciça do concelho.
A história da casa de um braço ­direito do presidente da câmara, em que este tem uma intervenção determinante, é exemplo do que também é o poder local um pouco por todo o país.
Mesmo em câmaras de maioria comunista.

A casa em que vive o advogado foi aprovada com 439 m2, tem uma piscina ilegal, e foi autorizada onde o antigo dono só podia construir 125 m2 de habitação

O consultor jurídico da Câmara da Moita, Rui En­carnação, vive há cinco anos numa luxuosa moradia que é propriedade de um dos prin­cipais grupos empresariais do distrito de Setúbal, com especiais interesses imobili­ários na Moita. O jurista diz que essa situação é apenas formal, que justifica com as suas relações de amizade com o patrão daquele grupo, e garante que, na prática, a casa é sua. O empresário limita-se a afmnar que a moradia é dele próprio e que quem lá vive é um amigo seu.
Situada no Penteado, pró­ximo da sede do concelho, a casa encontra-se numa pro­priedade de 17 mil m2, com­prada em Maio de 1998 pela Montiterras, uma empresa do grupo Pluripar, sediado no Montijo e liderado pelo empresário Emídio Catum. À data da aquisição, a parce­la, que está fora do perímetro urbano da aldeia, era um ter­reno agrícola sem qualquer construção. Por volta de 1991, o então dono da pro­priedade, já falecido, ainda pensou em dividi-la em lotes para construção. A resposta escrita dada pela câmara - garantiu ao PÚBLICO o filho do interessado, que já foi autarca pela CDU - foi a de que "só lá podia fazer 120 m2 de habitação e um arma­zém agrícola de 200 m2" .
Perante isso, o terreno foi vendido por 19.720 contos [cerca de 98.600 euros], em 1992, a um amigo de Encar­nação, um advogado que residia numa modesta mo­radia da aldeia e interveio pessoalmente no negócio. De acordo com os registos, a parcela ficou nas mãos do novo proprietário até que este a vendeu à Montiterras em 1998.
No ano seguinte já o arqui­tecto António Dores - então ao serviço da Câmara do Mon­tijo, onde tinha sido chefe da Divisão de Gestão Urbanís­tica e Encarnação consultor jurídico até Janeiro de 1998, altura em que a maioria do PCP foi substituída pelo PS - estava a projectar para o local uma moradia de 439 m2. Subscrito por Catum, em nome da Montiterras, o pedido de licenciam entrou na câmara da Moita ­no início de 2000.

Advogado interveio na compra das Fontaínhas

Por essa altura estava Encarnação, que entertanto se tornara consultor da Câmara da Moita, a negociar com Emídio Catum a celebração de um invulgar protocolo (ver texto à parte), relativo à futura urbanização de uma propriedade de 224 mil m2, denominada Quinta das Fontaínhas, que uma das suas empresas projectava comprar no concelho. Enquanto isso, o escritório particular de Rui Encarnação estava a
tratar dos aspectos jurídicos, nomeadamente do contrato de promessa de compra e venda, que Catum e o seu sócio Teo­doro Alho assinaram com o vendedor, em Janeiro de 2000, por cinco milhões de contos [25 milhões de euros].
Licenciada em tempo recorde pelo então vice-pre­sidente e actual presidente da câmara, Joãq Lobo, a super-moradia do Penteado ficou pronta no final de 2001, com uma piscina ilegal e um muro em cima de uma faixa da Reserva Ecológica Naciá­nal (REN). De acordo com o processo camarário, a obra foi executada pela empresa dona do terreno, a Montiterras, que para isso juntou o alvará de construção civil de que é titular e a apólice de seguro emitida em seu nome.
Poucos depois da sua conclusão, mas ainda antes da passagem da licença de utilização, emitida em 2004 com base num parecer do arquitecto António Dores, o autor do projecto que agora dirige a fiscalização de obras particulares da Câmara da Moita, a càsa da Montiterras foi transformada em residên­cia de Rui Encarnação.
À luz do Plano Director Municipal, em vigor desde 1983 e de cujo conteúdo o proprietário original foi erradamente informado em 1991, nada mais pode ser construído na propriedade. A revisão daquele plano, em curso desde 1996, vai porém mudar este cenário. De acor­do com a proposta de revisão aprovada pela maioria comu­nista da Moita em Outubro, o perímetro urbano do Pen­teado vai ser alargado em 29 mil m2, constituídos por uma única mancha contínua, na qual avultam os 17 mil m2 da Montiterras. No local vão passar a ser permitidos lote­amentos para construção de moradias.
Sucede que no início de 2004 esse espaço, juntamen­te com uma vasta área con­tígua, tinha sido objecto de uma proposta de integração na REN, por iniciativa da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), que chegou a ser aprovada pela comissão na­cional da REN e impediria toda e qualquer construção, no caso de vir a ser defini­tivamente aceite no quadro da revisão do PDM. No final de 2005, contudo, a CCDR e a comissão da REN, a pedido da câmara, excluíram dessa proposta uma única mancha contígua ao actual perímetro urbano do Penteado, do mes­mo modo que o fizeram para 35 outros locais do concelho, por forma a permitír o alar­gamento da zona urbana.
Essa mancha única era precisamente a que inclui o terreno da Montiterras. O pedido camarário de ex­clusão - que justificava a proposta com a existência de um alvará de loteamento em vigor desde os anos 80, mas cuja existência real le­vanta grandes dúvidas – foi aprovado pela CCDR. Apesar disso mereceu dela o seguin­te observação: "Não são co­locadas objecções por parte de qualquer das entidades intervenientes no processo, apesar de se considerar que não se encontra devidamente fundamentado (...)"