Sob o mesmo, transcrevo excelente notícia de "O RIO"
A Federação Distrital de Setúbal do Partido Socialista realizou um Encontro subordinado ao tema “As Tendências e as Políticas Culturais”, no dia 21 de Junho de 2007, no Auditório da Biblioteca Bento de Jesus Caraça, na Moita.Neste Encontro de carácter cultural participaram a escritora Lídia Jorge e Luís Fagundes Duarte, docente universitário e deputado do PS. O presidente da Federação Distrital de Setúbal do PS, Vítor Ramalho, apresentou os oradores convidados e moderou o debate.
Luís Fagundes Duarte começou por afirmar que, no âmbito da política portuguesa a cultura foi sempre o parente pobre, na estrutura do próprio Governo nunca tem o lugar que devia, numa relação que sempre se tem baseado no princípio do subsídio.
Em relação ao mercado literário, o deputado do PS constatou que, de um modo geral, este não dá para os criadores se profissionalizarem na escrita, dada a baixíssima taxa de leitores de livros. “O problema é que falhámos sempre na educação”, justificou. No entanto, salientou que “o sector da cultura é o terceiro contribuinte para o PIB, a seguir aos produtos alimentares, com 1,4 % do PIB, e emprega 116 mil trabalhadores, o que lhe dá uma certa importância”.
A intervenção mais esperada foi a da escritora Lídia Jorge que, de forma brilhante, começou por contar que numa série de depoimentos, publicados num suplemento do Libération, de artistas, ensaístas, cientistas e escritores de todo o mundo, acerca de como viam o futuro na passagem do novo milénio, o que ressaltava era a ideia de que o futuro se instala, depois de ser previsto, mas que não podemos modificar coisa nenhuma. “As respostas saídas dessa solicitação pontual começam agora a ganhar pertinência, à medida que cada vez mais nos afastamos daquele momento e o futuro passa a ser o nosso próprio presente. Todavia, uma das ideias salvadoras é a de que a cada tendência previa-se sempre a contra tendência”, esclarece a escritora.
Há uns anos a trás, – prosseguia Lídia Jorge – quando ainda não se falava ou se começava a falar em políticas para o audio-visual, era o futuro de então e é agora o nosso presente. O empobrecimento dos discursos publicados aconteceu em grande escala, os modelos narrativos alinharam em torno da história própria do jornalismo e da reportagem simplificando-os, impactando-os. Esta tendência instalou-se em larga escala. Mas não há dúvida que a contra tendência também fez o seu finca-pé. O cinema, o teatro, a literatura guardaram o seu papel. Com mais vicissitudes, é verdade, mas sem menos determinação. E de caminho surgiram no mundo do ciberespaço as experiências das novas formas de comunicação, diálogo e pensamento, narrativas que ao contrário do que parecia constituem formas novas de resistência à simplificação, ao mutismo e à evidência do silêncio.
Outro exemplo, adiantado pela oradora, este a nível da língua portuguesa, é dado pelo Acordo Ortográfico em que o interessante era a preocupação de estancar os anglicanismos e os castelhanismos de toda a ordem que invadiam a paisagem escrita e falada. No entanto, a ‘inglezação’ da comunicação tornou-se ponto assente, ninguém a pode contrariar. “Contudo, agora, torna-se claro que a língua portuguesa não se degradou nem se degrada por isso, o português é um idioma que se mantém com fulgor no mundo inteiro. A tendência para a invasão linguística acentuou-se mas a contra tendência para o florescimento da língua não se acentua mais porque a nossa política de escassos recursos e administrações sincopadas não o permitem, reconhece.
As novas tendências à escala global e à nossa escala portuguesa deriva da inelutável tendência para a globalização do formato áudio-visual, extensível a todos os outros campos culturais em confronto com o último reduto das culturas locais, ancoradas nas questões da história própria, da língua própria e nas literaturas nacionais tendo o livro como símbolo desta espécie de resistência.
Todavia, os conceitos tradicionais, a que se associava o ensinamento, estão definitivamente abalados. Estamos a viver um momento de mudança em que cada dia se aprende que nada está consolidado. Mas diz-se que é assim um pouco por toda a parte, no entanto, há países e culturas que, pela sua fragilidade e situação periférica, com menos riqueza de meios, menos formação, menos leitura, menos livros, ficam mais vulneráveis às oscilações. “O nosso país é um desses casos”, acentua a escritora.
Lídia Jorge conta outro caso significativo, dado pelo desiquilíbrio no campo da exportação literária. Por exemplo, a cultura anglo-saxónica exporta 80 % da sua produção e só importa 4 % das outras culturas. Isto dizem as estatísticas e é comprovado pelas feiras internacionais dos livros, mostrando que há muitas culturas que compram e uma só que vende.
Não obstante, a oradora reconhece que a nossa literatura, a pintura e as artes plásticas em todos os campos têm sido reconhecidas com sucesso lá fora. “A questão principal é outra, é a formação dos nossos leitores, espectadores, ouvintes. O que está em causa é sermos cidadãos pouco cultos, fracos consumidores de bens culturais”, faz notar.
Por outro lado, afirma que a cultura, nas suas várias formas, é um lugar de chegada, o lugar de partida encontra-se na educação, e é neste local de formação decisiva que Estado pode intervir. Senão, essa formação resulta, em grande parte, da qualidade dessa outra educação que a televisão proporciona. A este respeito, um ensaísta francês, que nomeou, é realista ao afirmar que “se o Estado pretende democratizar a cultura, nada fará sem controlar a televisão, porque é ela que informa as pessoas”. “Na verdade, quanto mais iletrada é uma sociedade mais decisiva é essa outra educação que a televisão oferece”, observa.
Perante esta situação, a escritora interroga-se: “Por que razão, salvo as excepções que confirmam a regra, não há textos nem referências dos livros nos espaços importantes da televisão?
”Mesmo assim, a oradora mostrou-se convicta de que alguma coisa, por pequena que seja, há-de mudar seja o que for. E indicou que já há coisas que falam ao contrário: as Feiras do Livro; o Plano Nacional de Leitura que se anuncia; a notícia de que á professores que acham que não podem entregar o Memorial do Convento a alunos sem primeiro os fazerem ler o delfim ou a Aparição; as Bibliotecas Municipais que estão a multiplicar-se; as Livrarias que fecham e as que abrem; e as FNACs são exemplo que não vendem só electrodomésticos. “Tenho esperança sobretudo na força dos criadores em guerra com o seu país, como deve ser”, concluiu Lídia Jorge.