sexta-feira, dezembro 12, 2008

Declaração universal de direitos do Homem

Recebi de um amigo:

A propósito do 60º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, uma efeméride a que não são indiferentes todos aqueles que se identificam e pugnam pelos ideais e causas do socialismo democrático.

Abalados pela barbárie e desejosos de construir um mundo sob novos alicerces ideológicos, os dirigentes das nações que emergiram como potências no período pós-guerra, liderados pela URSS e EUA, estabeleceram na conferência de Yalta (1945) as bases de uma futura "paz", definindo áreas de influência das potências e acordando na criação de uma organização multilateral que promovesse negociações sobre conflitos internacionais, com o objectivo de evitar guerras, promover a paz e a democracia, e fortalecer os Direitos Humanos.

A Assembleia-geral da ONU proclama a Declaração Universal dos Direitos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e nações, com o objectivo de que cada indivíduo e cada organismo da sociedade, tendo sempre em mente a Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, na promoção do respeito pelos direitos e liberdades, e, pela adopção de medidas progressivas de carácter nacional e internacional, de modo a assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universal e efectiva, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros, como entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.

Os direitos humanos são os direitos e liberdades básicos de todos os seres humanos. Normalmente o conceito de direitos humanos engloba a liberdade de pensamento e de expressão, e a igualdade perante a lei.

Evolução histórica

Muitos filósofos e historiadores do Direito consideram que não se pode falar de direitos humanos até a modernidade no Ocidente. Até então, as normas da comunidade, concebidas na relação com a ordem cósmica, não deixavam espaço para o ser humano como sujeito singular. A sociedade tinha o seu centro em grupos como a família, a linhagem ou as corporações profissionais ou laborais, o que implicava que não se concebiam faculdades próprias do ser humano enquanto tal.

A existência dos direitos, tal como os consideramos na actualidade, só começam a ser objecto de debate durante os séculos XVI, XVII e XVIII, o que é relevante porque habitualmente considera-se que os direitos humanos são produto da afirmação progressiva da individualidade e que a ideia de direitos do homem apareceu pela primeira vez durante a luta burguesa contra o sistema do Antigo Regime. Entenda-se por Antigo Regime o estilo de governo que marcou a Europa na Idade Moderna (início em 1453, com a tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos, e o término com a Revolução Francesa, em 1789). Na esfera política, era caracterizado pelo absolutismo, ou seja, o poder ficava concentrado nas mãos do rei, e na economia, vigorava o mercantilismo, marcado pelo acumular do capital realizado pelas nações. Apesar de ser esta a consideração com maior aceitação, alguns autores consideram que os direitos humanos são uma constante na História e tem suas raízes no mundo clássico, e que a sua origem se encontra na afirmação do cristianismo e da dignidade moral do homem enquanto pessoa.

Antecedentes remotos

Um dos documentos mais antigos que vinculou os direitos humanos é o Cilindro de Ciro, descoberto em 1879, e que contêm uma declaração do rei persa Ciro II, depois de conquistar Babilônia em 539 aC. Pode ser resultado de uma tradição mesopotâmica centrada na figura do rei justo, cujo primeiro exemplo conhecido é o rei Urukagina, de Lagash, que reinou durante o século XXIV aC, e de onde se deve também destacar Hammurabi da Babilônia e seu famoso Código de Hammurabi, que data do século XVIII aC. O Cilindro de Ciro apresentava características inovadoras, especialmente em relação a religião. Nele era declarada a liberdade de religião e abolição da escravatura. Tem sido valorizado pelo seu sentido humanista e é descrito como a primeira declaração de direitos humanos.

Documentos muito posteriores, casos da Carta Magna Inglesa (1215) e a Carta de Mandén (1222), têm também sido associados aos direitos humanos.

Confirmação do conceito

Apesar de surpreendente, a verdade é que a conquista da América no século XVI pelos espanhóis resultou num debate pelos direitos humanos em Espanha. Este é momento marcante, pois foi a primeira vez que o assunto é discutido na Europa.

Durante a Revolução inglesa, a burguesia conseguiu satisfazer a exigência de segurança contra os abusos da coroa e limitou o poder dos reis sobre seus súbditos, proclamando a Lei de Habeas corpus em 1679. Em 1689 o Parlamento impôs a Guilhermo III, na Carta de Direitos (ou Declaração de Direitos), uma série de princípios sobre os quais os monarcas não podiam legislar ou decidir.

No século XVII e XVIII, filósofos europeus, dos quais se destaca John Locke, desenvolveram o conceito do Direito Natural. Os direitos naturais não dependiam da cidadania nem das leis de um Estado, nem estavam necessariamente limitadas a um grupo étnico, cultural ou religioso em particular. A teoria do contrato social, de acordo com seus três principais formuladores, o já citado Locke, Thomas Hobbes e Jean-Jacques Rousseau, se baseia-se no facto dos direitos do indivíduo serem naturais e que, no estado de natureza, todos os homens são titulares de todos os direitos.

A primeira declaração dos direitos humanos da época moderna é a Declaração dos Direitos da Virgínia (1776), escrita por George Mason e proclamada pela Convenção da Virgínia. Esta declaração influenciou significativamente Thomas Jefferson na declaração dos direitos humanos que faz da Declaração da Independência dos Estados Unidos da América (1776), assim como também influenciou a Assembleia Nacional Francesa na sua Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), sendo que esta última, para além de definir o direito individual, pela primeira vez define o direito colectivo das pessoas.

A noção de direitos humanos não experimentou grandes mudanças até o século seguinte. Com o início das lutas operárias, surgiram novos direitos que pretendiam dar solução a determinados problemas sociais através da intervenção do Estado. Neste processo são importantes a Revolução Russa e a Revolução Mexicana.

Declaração Universal dos Direitos Humanos

Desde o nascimento da ONU, em 1945, o conceito de direitos humanos tem-se vindo a universalizar, alcançando uma grande importância na cultura jurídica internacional. Em 10 de Dezembro de 1948 a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi adoptada e proclamada pela Assembleia-geral da ONU, em resposta aos horrores da Segunda Guerra Mundial e como intento de alicerçar as bases de uma nova ordem internacional surgida após o armistício.

Vivia-se o rescaldo da II Guerra Mundial, as pessoas levantavam a cabeça. Três anos antes, uma jovem judia chamada Anne Frank tinha morrido no campo de concentração de Bergen-Belsen, por doença - e por nada. Viria a ser um dos rostos do que não se queria mais.

O conflito deixara tais marcas que a recém-nascida ONU achou que era a hora de deixar preto no branco que o planeta não podia continuar um campo de batalha e os seus moradores meros sujeitos de direito. Queria-se o fim das guerras, e a melhor forma de o conseguir era tirar poder a quem o tinha a mais e dá-lo a quem o tinha a menos. Havia um grito à flor das gargantas, e saiu.

O art. 1º da Declaração Universal dos Direitos do Homem da Organização das Nações Unidas postula que "Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.

"Todos os homens nascem livres e iguais? A Declaração Universal dos Direitos Humanos diz que sim mas, 60 anos depois, uns continuam a nascer mais iguais do que outros, num mundo cada vez mais deprimido. Um mundo onde o direito à felicidade, o fim do conceito jurídico a que chamamos direitos humanos, continua ausente.

"Nunca mais"

Foi um grito de "nunca mais". O direito a ter direitos deixou de ser refém da nacionalidade e da soberania dos estados, que deixaram de ser entes blindados e passaram a ter que prestar contas.

Uma reviravolta. Tudo o que se fizera antes, desde o cilindro de Ciro, na antiga Pérsia, às declarações americanas do século XVIII, passando pela Magna Carta, de 1215, a Bill of Rights, de 1689, na Inglaterra, ou a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, 100 anos mais tarde, em França, fora para consumo interno.

Esta declaração agora era do mundo.

O texto continua tão actual como na origem, pelo menos quanto aos direitos que nela são enunciados, não quanto às omissões, algumas de grande relevância no nosso tempo. O "nunca mais" que gerou é cada vez mais um exasperante "ainda não". No Darfur continua-se a morrer de fome ou violência, a Somália abeira-se de uma tragédia igual, a birmanesa Aung San Suu Kyi continua presa na Birmânia, o campo de Guantánamo continua aberto e, em Santiago do Chile, Lucía Hiriarte, viúva do ditador Augusto Pinochet, diz que o marido, responsabilizado pela morte ou o "desaparecimento" de 3.000 pessoas, morreu com o sentimento de que era vítima de uma injustiça.

Faltam alguns

Mas a declaração, se tem muitos artigos mais cumpridos, tem outros menos cumpridos ou por cumprir - se é que não lhe faltam alguns.

Os mais respeitados são os relativos ao reconhecimento da personalidade jurídica do indivíduo (6.º) ou o direito à nacionalidade (15.º), talvez por conveniência dos estados. Os menos respeitados são a maior parte: os direitos económicos, sociais e culturais, como o trabalho, a saúde, a habitação, a educação, a segurança social, o lazer ou o direito à cultura.

O menos respeitado é o 28.º, que consagra o direito a uma "ordem social e internacional em que os direitos e liberdades proclamados nesta declaração se tornem plenamente efectivos".

Os artigos que faltam na declaração são direitos que nunca chegaram a entrar no texto. Por exemplo, o relativo à autodeterminação dos povos, e os que "nasceram" a seguir, em resultado das alterações entretanto havidas no mundo, como o ambiente de qualidade, o desenvolvimento económico ou a protecção dos dados informáticos.

Alguns foram contemplados em documentos posteriores, em virtude de ter passado a haver uma maior sensibilidade em relação a certas situações, caso das pessoas com deficiência, das pessoas idosas ou dos trabalhadores migrantes.

Há direitos, como o direito à felicidade, que não estão contemplados na declaração. Há ideias e sentimentos que tiveram expressão legislativa no passado e foram quase esquecidos nos nossos dias. O direito à felicidade, constante das declarações americanas do século XVIII, é um dos exemplos.

Seria bom que conseguíssemos pensar em meios para tornar este direito uma realidade, num mundo cada vez mais deprimido, em que ela não anda necessariamente aliada a condições materiais específicas. O melhoramento espiritual de cada um e da sociedade no seu todo, no sentido de uma maior empatia pelo sofrimento alheio e a disponibilidade para criar meios para o aliviar, bem como o desenvolvimento da capacidade para tornar muitas aspirações realidade, parece-me ser o melhor mecanismo para atingir a plenitude humana. O que é também o fim deste conceito jurídico a que chamamos direitos humanos.

Ameaças à declaração

Nunca os direitos humanos fizeram parte dos discursos políticos como nos dias de hoje. No entanto, contraditoriamente, a geopolítica, os interesses imperiais ou nacionais continuam a falar mais alto. Veja-se, os exemplos do Iraque, Zimbabwe, Geórgia, Congo ou mesmo a resposta aos atentados às torres gémeas do World Trade Center. O combate ao terrorismo utiliza métodos que constituem uma violação da proibição da tortura (artigo 5.º), do direito a um julgamento justo (8.º), da proibição de prisões arbitrária (9.º), e é uma séria ameaça a um ordenamento jurídico que tanto custou a construir ao longo de tantos séculos.

No entanto, a mais séria ameaça é a pobreza extrema em que vive parte da humanidade, decorrente das grandes disparidades económicas, e resultante do modelo neoliberal de endeusamento do mercado, que considera os direitos económicos e sociais como privilégios de alguns e não como direitos de todos.

Cabe-nos a nós, particularmente a nós, aqueles que se identificam com os ideais e causas do socialismo democrático, pugnar pela Declaração Universal dos Direitos Humanos e, sobretudo, para que "todos os seres humanos nasçam livres e iguais em dignidade e em direitos, dotados de razão e de consciência, e ajam uns para com os outros em espírito de fraternidade."
Com um abraço amigo,
Pedro BAROSA